Divagações sobre o ato de sonhar
. Os sonhos sempre atormentaram os homens Sua interpretação já foi entendida ou usada como manipulação para exercer poder, prever futuro, comunicação com deuses e com antepassados.
Nas tribos antigas, o curandeiro (shaman) era temido e respeitado pelo poder de atrair ou afugentar os maus espíritos durante transe histérico em que sonhava acordado.
Nos povos da Antiguidade, os sonhos tinham como finalidade predizer o futuro, por estarem subordinados a outro mundo, onde deuses e demônios trariam mensagens que seriam interpretadas.
Os Hindus classificavam os sonhos em favoráveis e desfavoráveis interpretando especificamente as imagens.
Aristóteles em suas obras postula que os sonhos seguiriam a lei do homem, por que seriam pensamentos persistentes da natureza demoníaca do humano e não do divino.
As interpretações sobrenaturais perderam força a partir do século 19, após Charles Darwin (1871) publicar em seu livro (A descendência do Homem) que mamíferos e aves teriam a capacidade de sonhar.
Porém, nada seria igual depois de Freud postular que sonhos seriam realizações de desejos inconscientes reprimidos que revelariam estruturas psíquicas com certo sentido. O inconsciente atemporal que não se prende a cronologia, idade ou linguagem, revelando um saber que não se sabe.
Atribui ao sonho um caráter simbólico, formado a partir de dois mecanismos básicos: a condensação e o deslocamento, que distorcem o desejo reprimido para a realização da pulsão.
No inconsciente, as imagens confusas e atemporais sonhadas, revelam o lado psicoemocional de toda uma vida contida em uma pessoa (da mesma forma que cada livro contém uma historia com muitos capítulos). A interpretação dos sonhos pode ser de grande valia para a saúde mental, pois auxilia o individuo em seu projeto saudável de trabalho e nos relacionamentos inter e intrapessoal.
Martha Medeiros (colunista O Globo) em comemoração ao seu décimo primeiro aniversario como escritora, transcreveu seu primeiro artigo em que festejava a realização de um sonho como profissional, abordando de forma interessante diferenças entre o indivíduo sonhar acordado e dormindo:
Não é preciso me beliscar, já estou acordada e em um novo lugar. Embaixo de minha saia escondo uma menina justa e uns desejos largos.
Os sonhos que sonho dormindo se distanciam de qualquer lógica. ¨Em sonhos eu mato, eu morro, eu tenho sete amantes, eu sou um lagarto,eu surfo em trens,sou eletrocutada e ressuscito na Índia , e na Índia faz frio . Em sonhos eu mastigo areia, eu sou mãe da minha avó, eu tiro Kafka para dançar. Sou loira, sou homem, uso óculos, sou anã, sou uma planta, os faróis de um carro iluminam as paginas do livro que estou lendo, e eu leio em russo. Em sonhos circulo pelo Projac. Encontro Sean Penn gravando a novela das sete, comemos juntos dois pasteis de goiaba e de repente estou na praia nua, explicando para um guarda que preciso de uma carona. Em sonhos beijo os pés de uma amiga, subo escadas intermináveis, corro sem sair do lugar e escondo um elefante embaixo de minha saia. Puxa meu psiquiatra vai adorar isso.
O sonho é a realização do desejo. Porém, não é um conceito fácil de aceitar e ou entender porque o habitual é que sonhemos cenas confusas e incompreensíveis que a princípio não parecem satisfazer o desejo de ninguém, mas quando relatados e interpretados psicanaliticamente conseguem realizar desejo, alguns óbvios e conscientes e outros enigmáticos e inconscientes.
Os sonhos inconscientes de pessoas dormindo realizam seus desejos, ao passo que os sonhos das pessoas acordadas e conscientes, são projetos de projetos que poderão ser previamente autorizados por seus próprios sonhos para um dia abrir caminhos e vencer resistências, pois somos o produto de nossos sonhos.
Sonhar é vital para a vida humana. Através de sonhos realizamos desejos inconscientes e frustrados que remontam interpretações de primo repressões de construções do EU.
As inadequações sociais diárias corroboram para que sintomas ansiogênicos compareçam de múltiplas formas , enganando , imobilizando e perpetuando o sofrimento
Não somos senhores em nossa própria morada, não damos conta do desejo inconsciente que move nossas paixões.
Durante o sono, pela exclusão das percepções do mundo exterior ocorridas durante o dia, e sem a expressão da atividade motora, as lembranças suprimidas ou inconscientes podem fluir dentro do aparelho psíquico expondo o recalcado.
À noite os pensamentos oníricos acontecem pela diminuição da resistência que guarda a fronteira entre o inconsciente e o pré-inconsciente retrocedendo as excitações no sentido inverso do aparelho psíquico, onde o sensório e a imagem podem mais facilmente e sem censura realizar desejos ídicos e, portanto infantis.
Aspectos Neurológicos dos Sonhos
Durante a fase onírica, a atividade cerebral é máxima e a motora é mínima. Com exceção dos olhos que se movimentam com rapidez, praticamente ficamos imóveis. Isso ocorre durante o sono REM (Rapid Eyes Movement). Se despertarmos nesse período, é provável que nos recordemos com detalhes do sonho que estávamos tendo.
Durante uma noite de sono, uma pessoa normalmente tem cerca de 4 ou 5 períodos de REM, que são bem curtos no começo da noite e mais longos no final. É comum acordar por um curto período de tempo no fim de um acesso de REM.
O tempo total de sono em REM ronda os 90 a 120 minutos por noite para adultos. Entretanto a quantidade relativa de sono REM diminui acentuadamente com a idade. Um bebê dorme mais de 80% do tempo total de sono em sono REM; enquanto uma pessoa de 70 anos dorme menos de 10% em sono REM.
De acordo com Scheiermacher o que caracteriza o estado de vigília é o fato de que a atividade de pensar ocorre em conceitos, e não em imagens. Já os sonhos pensam essencialmente por meio de imagens, e com a aproximação do sono, é possível observar como, à medida que as atividades voluntárias se tornam mais difíceis, surgem representações involuntárias, todas elas se enquadrando na categoria de imagens. Os sonhos pensam predominantemente em imagens visuais, mas não exclusivamente. Utilizam também imagens auditivas e, em menor grau, impressões que pertencem a outros sentidos. A tendência dos sonhos é a de serem esquecidos pela consciência de vigília, pois quase nunca se apoderam de lembranças. É como se estivessem acima de nossas vidas mentais
Na interpretação dos sonhos, surgem as neuroses sexuais reprimidas pelos valores morais. São realizações de desejos reprimidos que surgem disfarçados pelos aspectos arcaicos e filogenéticos oriundos da amnésia da infância, Referem-se a lembranças encobridoras sexuais da fase fálica realizados pelo inconsciente.
Estudos com a ressonância magnética tentam demonstrar que o complexo sistema cerebral absorveria valores morais universais compartilhados pela maioria das pessoas através de modulação cultural, educacional e genética.
A moral tem uma profunda base neurobiológica e seus valores não variam em si, sendo diferente apenas a importância que cada individuo e ou sociedade atribui a estes conceitos.
A interpretação dos sonhos
O humano com seu comportamento hedonista necessita como forma adaptativa e evolutiva de sobrevivência social a reprimir seus desejos, combinando emoções de frustração com conceitos sociais abstratos. O recalque advém de forma normativa estabelecendo os valores sociais necessários.
Sonhos são produtos da própria mente e deixam a impressão de algo estranho no próprio individuo, pois significam o fim da autoridade do EU.
Na primeira tópica (1894-1920) Freud trabalhou com sistema Inconsciente, Pré-consciente e Consciente. Na segunda tópica (1920-1938) com Dinâmica das Instâncias ID, Ego, Superego demonstrando desta forma os mecanismos de defesa do aparelho psíquico.
Na clínica dos sonhos, a história de vida do sonhador associada a restos diurnos que mobilizem o inconsciente reprimido podem contribuir e facilitar acesso terapêutico para que disfarces sejam removidos aumentando a porosidade do inconsciente.
Desta forma, a partir do momento em que analista e analisando pela aliança terapêutica formada, durante o processo terapêutico conseguem trazer a tona pela interpretação dos sonhos sentimentos recalcados e repressores, surge a oportunidade de elaboração e reflexão sobre comportamentos limitadores
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Desejar faz parte do padrão de comportamento humano, todos nascem com certa predisposição libidinal sujeita a influências biopsicossociais. Após largar o peito (sobrevivência e afeto) a criança substitui ou troca esta necessidade psicoemocional por objetos que possam perpetuar lembranças inconscientes e sentimentos prazerosos que tentem amenizar a ansiedade natural do humano humana (nunca alcançado durante toda a vida.).
Angústias neuróticas (inconscientes) reprimidas podem ser exploradas clinicamente na psicanálise para diagnostico e tratamento através dos sonhos, sintomas e atos falhos. Trabalha-se o EGO recalcado pelo SUPEREGO
A primeira tópica de FREUD é baseada no recalque (repressão) onde a energia (LIBIDO) recalcada sairia disfarçada do corpo formando um compromisso (sintoma) denominado NEUROSE (necessário para o convívio social.).
O recalque, portanto é a formação de compromisso que se manifestar causando um sintoma que simbolicamente representa o GOZO.
O sonho onírico (inconsciente) representa a leitura regressiva, inconsciente, arcaica e infantil encobridora de lembranças ou desejos sexuais reprimidos que tenta vir à tona realizar e satisfazer estes prazeres. Cabe ao profissional trazer a imagem primitiva do período edipiano e transformando-a em linguagem compreensível e desmistificadora de crenças
O sonho manifesto, filtrado e censurado (deformação do sonho onírico), não traz nenhuma contribuição na interpretação das neuroses. Porém o sonho sonhado com suas distorções que significam as censuras do EU pelo SUPEREU pode contribuir na elaboração de uma linguagem sem mecanismos que distorçam o sonho
O trabalho terapêutico consiste em trabalhar a força recalcada para chegar à resistência que forma o sintoma neurótico.
A transferência ocorre no Édipo, portanto o terapeuta fala escutando o sintoma para estruturar a linguagem, pois o inconsciente não se traduz.
¨¨A experiência mostrou que os mecanismos inconscientes que viemos a conhecer através do estudo da elaboração onírica e que nos fornecem a explicação da formação dos sonhos, também nos auxiliam a entender os enigmáticos sintomas que atraem nosso interesse para neuroses e psicoses. ( Freud 1937- 39 – v.XXIII )
Plagiando o autor diria que :
Sonhar é preciso, Navegar não é preciso.