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Estereótipos sobre gays devem ser combatidos com educação, diz pesquisador

Na última semana, a representação do afeto entre pessoas do mesmo sexo na televisão brasileira voltou a ser alvo de discussão. O reality show “A Fazenda de Verão”, da Rede Record, está tendo que administrar uma relação lésbica no programa e vem optando por mostrar o menos possível do relacionamento, o que está sendo criticado por parte dos telespectadores. Em entrevista ao Sul21, o psicólogo e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero (Nupsex), Eduardo Marodin Lomando, pondera que a sociedade precisa encarar o tema de frente para que a representação dessa realidade possa ser exposta com mais naturalidade.

Divergindo de parte de seus colegas da psicologia e estudiosos do tema da homossexualidade, Eduardo Lomando não acredita que a regulação dos conteúdos possa contribuir com a redução do preconceito. Ele identifica nas ações educativas um processo muito mais construtivo para combater a homofobia. “A grande chave é a prevenção de uma futura sociedade ainda preconceituosa. Para combater a homofobia é necessário investir em educação”, defende.
“Existirão gays e lésbicas que querem namorar, os que não querem, os que querem apenas festa, os que vão para a prostituição. Na vida dos heterossexuais é exatamente igual”

ENTREVISTA COM EDUARDO LOMANDO:

Sul21 – Como o senhor avalia a abordagem da homossexualidade na televisão brasileira?

Eduardo Lomando – Há dois aspectos que necessitam ser ponderados. O primeiro, que pode ser considerado como negativo, é a reticência da TV brasileira em retratar, principalmente ao vivo, qualquer demonstração de afeto homossexual, tanto de homens quanto de mulheres. A Rede Globo até hoje não mostrou (afeto homossexual). O SBT fez isso, mas em um contexto de romance épico, repleto de construções fantasiosas. Outro aspecto é o medo da reprovação da sociedade e o reflexo disso na audiência. Estamos falando de empresas, que dependem da audiência para serem lucrativas e que, em minha opinião, temem mais perder dinheiro do que enfrentar o preconceito. Algumas pessoas atribuem o pudor em mostrar homossexualidade na televisão com uma postura homofóbica de certas emissoras. Eu não concordo com esta tese. Creio que a lógica e as razões são muito mais comerciais e preocupadas com a audiência do que qualquer outra coisa. As mesmas emissoras que em telenovelas ou reality shows não mostram afeto homossexual não deixam de abordar o tema do casamento gay ou crimes por homofobia nos programas de comportamento ou jornalísticos. Se fosse conduta de uma direção homofóbica, nem este tipo de abordagem seria permitida. Claro que, quando nos depararmos com matérias tendenciosas e falaciosas sobre a realidade dos homossexuais, será algo bastante preocupante. Até onde eu acompanhei, as matérias demonstram um posicionamento simpático aos direitos da população LGBT.

Sul21 – Ao definir a representação da homossexualidade na mídia, há então uma seleção de ordem comercial e não necessariamente moral?

Eduardo Lomando – Creio que não deixa de haver uma seleção moral do quê e de como serão exibidos os conteúdos que tratam de homossexualidade. O que eu defendo é que é importante expor a homossexualidade como algo natural. As pessoas têm curiosidade sobre isso. Não é à toa a grande audiência quando surgem estes assuntos.

Sul21 – Qual a capacidade de compreensão da sociedade diante de tais abordagens?

Eduardo Lomando – Para a sociedade poder compreender a homossexualidade é necessário tratá-la com naturalidade em todos os espaços. As relações homossexuais são tão naturais quanto as relações heterossexuais. Existirão gays e lésbicas que querem namorar, os que não querem, os que querem apenas festa, os que vão para a prostituição. Na vida dos heterossexuais é exatamente igual. Não há diferença. Para que a capacidade de compreensão da sociedade como um todo se amplie é muito importante que essas relações sejam visíveis. No caso da regulamentação da maconha no Uruguai foi assim. A ideia é regulamentar, reconhecendo que ela existe e discutindo o seu uso. A única diferença quando falamos de relações homoafetivas é que, ainda que saibamos qu e existe, não visualizamos a realidade delas, porque nunca é visível a troca de afeto. Os gays e lésbicas viram seres invisíveis (na mídia), a não ser que surjam estereotipados.

Sul21 – Mas qual tem sido o papel da mídia, em especial da televisão, nesse sentido? Se a representação dos homossexuais é estereotipada, podemos dizer que ocorre um desserviço, independente das motivações serem comerciais ou não?

Eduardo Lomando – Se uma telenovela é propositiva, ela tem que desconstruir os estereótipos. Não tem casal de gays que não se beijam em nenhum momento, como a gente vê nas novelas brasileiras. Eu não conheço nenhum ao menos (risos). A própria relação de suspense sobre o possível beijo gay que acabou não acontecendo na Globo era em um contexto de intimidade afetiva, onde era absolutamente natural que houvesse o beijo. Mas eu tenho uma divergência com relação a muitos colegas, a respeito do estigma de alguns personagens gays. Na vida real existem mesmo os gays estereotipados, assim como vários outros estereótipos de pessoas: pobres, caricatos, etc. Existem muitos gays ditos “afeminados”. As tramas de ficção permitem o uso desses estereót ipos. O problema é que, diante da pouca abordagem dos homossexuais, eles aparecerem quase sempre em formato estereotipado acaba sendo algo ruim. Para isso ser mais natural, deveria haver uma presença de vários tipos de gays e lésbicas, em mais de uma trama. Até porque essa é a realidade de hoje, as relações homossexuais cada vez aparecem de forma mais aberta na sociedade.

Sul21 – O humor tende a fazer mais a caracterização dos gays “afetados”, o que acaba dificultando uma aceitação mais natural da homossexualidade, como o senhor colocou. Por outro lado, a exigência do politicamente correto é vista como prejudicial e até uma espécie de censura pelos humoristas. Qual o limite para o humor não se tornar homofóbico?

Eduardo Lomando – Os próprios gays fazem piada de gays. Assim como negros fazem piadas de negros, gordos de gordos. Esta conclusão do que pode ou não na comédia é muito complexa. O humor tende a trabalhar com a realidade do momento. Se o tema da homofobia e tolerância com a orientação sexual está em voga, as pessoas têm mais sensibilidade ao tema, o que proporciona reações causais diretas. O fato de um programa humorístico falar “bichinha” não redundará em aumento da violência (contra homossexuais). A homofobia aumenta na medida em que não se educa para o respeito da orientação sexual, o que dificulta pessoas no sentido de assumirem a sua condição sexual e gera desconforto em outras a ponto de explodirem, agredindo os que são assumid os. Na minha visão, as pessoas têm que se preocupar menos com bobagens e brincadeiras e bem mais com a mensagem que é reproduzida em momentos de seriedade – e que pode, essa sim, destruir a imagem dos homossexuais.

Sul21 – A regulação da mídia, uma vez que as emissoras são concessões públicas, auxiliaria neste processo?

Eduardo Lomando – Creio que entrar nesta seara é perigoso. Na verdade, é algo se aproxima da censura sobre o que pode ou não a ser exibido, como ocorreu na década de 60. O que quero dizer é que, quando estamos assistindo televisão como entretenimento e as questões são abordadas como comédia, estamos em um ambiente adequado para brincar. Ao contrário do que ocorre com a existência de posturas acadêmicas preconceituosas, ou programas jornalísticos que abordam dados equivocados, imprecisos e que podem alimentar o preconceito. Isto sim é preocupante.

Sul21 – Então, o “antídoto” para a homofobia está onde? Na educação, na comunicação ou no judiciário?

Eduardo Lomando – Eu te respondo de forma muito simples: está na educação. Trabalhando no Nupsex, conhecemos o trabalho da cátedra de homofobia no Canadá, subsidiada pelo Ministério da Justiça, que financia pesquisas para intervenções sociais. O maior investimento deles é na educação. É o que mais apresenta resultado. Ensinar as pessoas a falarem sobre seus desejos, sem que isso se transforme em uma futura agressão. E educar sobre as questões externas. Porque a homofobia não é só produto interno. Quando uma pessoa é racista, não dissemos que ela tem um negro dentro dela: o que ocorre é que ela aprendeu que pessoas negras podem ser desrespeitadas. Nem todo homofóbico é gay enrustido. Com educação, podemos orientar sobre os direitos iguais, o resp eito a pessoas diferentes, enfim, sobre todas as questões chave para mudar a cultura do preconceito.

Sul21 – No Brasil, o governo brasileiro recuou no kit escolar para combate à homofobia.

Eduardo Lomando- Justamente. Se a gente constrói esta possibilidade a qual me refiro, não precisamos ficar lutando por leis paliativas ou sazonais. A grande chave é a prevenção de uma futura sociedade ainda preconceituosa. Para combater a homofobia é a partir de investimento em educação. Evidente que é preciso também sistemas de saúde, de segurança e de apoio psicossocial voltados à população LGBT.

Sul21 – A rede de apoio psicossocial para a população LGBT e familiares é falha no país?

Eduardo Lomando – Eu percebo avanços. Na década de 60, a rede de apoio psicossocial para LGBT eram apenas os amigos. O que chamamos de “família de escolha”, as pessoas junto as quais os gays se sentiam aceitos. A inserção da rede de apoio familiar hoje tem crescido e melhorado. Ainda que nossas pesquisas com homossexuais ainda apontem problemas sérios, como a maioria dos pais ainda não apoiarem seus filhos, por exemplo. Aceitam mais até, mas não querem ver os filhos, não querem conviver com namorados ou mesmo ter presença significativa na vida do filho homossexual. Mas já existe um progresso, ainda que não muito amplo – os pais estão assimilando melhor e buscando compreender como lidar, o que diminui o conflito dos filhos sobre sua orientação sexua l. O principal ponto onde realmente não há avanço é nas relações do trabalho. Boa parte dos pesquisados pelo nosso Núcleo dizem que não assumem sua sexualidade no trabalho. Alguns justificam para nós dizendo que no trabalho ninguém tem que saber da vida pessoal. O que sabemos que não é verdade. A vida social e particular das pessoas é um assunto muito comum no convívio entre colegas. Mas precisamos no mínimo de mais uma década até que os progressos na educação consigam modificar as relações no ambiente de trabalho.

Sul21 – Recentemente, a bancada evangélica no Congress reacendeu uma discussão sobre possível mudança em uma resolução do Conselho Federal de Psicologia. A ideia seria abrir espaço para quem supostamente quisesse buscar tratamento para sua homossexualidade, promovendo a possibilidade de uma espécie “cura gay”. Qual a sua opinião a respeito?

Eduardo Lomando – Esta resolução não tem nem que ser discutida. Esse debate está superado. A psicologia não verá a homossexualidade como doença e não irá oferecer tratamento a isso. O que oferecemos é o apoio para que os homossexuais consigam lidar com a sua própria orientação sexual. O problema é que a bancada evangélica, que já conta com psicólogos, está criando teses com base em algumas linhas da psicanálise. O que pode acontecer na verdade é que, diante da dificuldade que é ser homossexual na nossa sociedade, um cidadão enxergue a ideia de “cura” como uma salvação para o seu sofrimento. Mas nenhum psicólogo atenderá um paciente que cansou de ser homem, negro ou branco. O que as pessoas buscam é lidar com seu sofrimento. Existem pesso as confusas com a sua sexualidade, que oscilam até entenderem qual a sua orientação. Isto não significa que ela se curou fazendo terapia. Ninguém cura ninguém sobre orientação sexual. As pessoas podem receber auxílio, utilizando a psicologia para conhecerem melhor a elas mesmas. Este conceito de tratamento para mudar de orientação não tem base cientifica nenhuma.

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